Querido amor,

Escrevo sem restrições, apenas com palavras afogadas em sentimentos profundos, dores de cotovelo que se esconderam na alma. As palavras saem e eu as transformo, colocando pra fora o que milhares de gargantas inflamadas necessitavam expulsar. Acho que já te contei, em um dos meus diálogos sem sentido sobre fatos aleatórios que aprendi por diversão, que a garganta dói quando as palavras entopem. É algo na psicologia : eu e meu costume de tentar entender as pessoas. Pena que a pessoa que eu mais queria compreender é complicada demais : eu mesma.

Eu te amei, e isso é só mais um dos elementos da minha lista de coisas pra entender. Você sabe disso e sabe o quanto doeu. Não menti, te amei com toda a minha alma, pois meu coração, que você jurava ser de gelo, não era suficiente. Pra alguém de tamanha chama, minha faísca não era nada. Às vezes esqueço que você é de fogo, por mais que seja a razão para meus dedos cavarem minhas memórias e digitarem tudo hoje. Eu sou terra. Plana e seca terra, infértil na maior parte do tempo. Não é fácil me cultivar, sabe? Mas dou um ótimo jardim para quem consegue, com as flores mais bonitas e de cores mais vivas. Minhas favoritas, que me descrevem como ninguém : rosas em vermelho escuro com espinhos afiados ( sempre te falei dos meus espinhos, certo? ), narcisos ( pois tamanho narcisismo precisa de uma representação ) e margaridas ( a parte sua que guardo para sempre em mim ). Eu floresço, amadureço, evoluo a cada segundo, mas apenas para os melhores jardineiros.
 Conheci alguns um dia desses. Trinta e poucos, para falar a verdade. Fizeram de mim um lindo jardim, uma pessoa melhor. Estes me regaram e adubaram todo dia, e quando minhas flores murcharam, não desistiram. Pessoas especiais, tenho certeza. Amei eles também. Ainda amo, de uma forma bem diferente de como te amei, um tipo de carinho que não conhecia. Você conheceu alguém especial também. Apenas uma, que tomou o meu lugar ( se é que algum dia eu já tive um lugar em você ). Antes, eu te achava o jardim e me sentia uma erva daninha, mas agora sei que é apenas o fogo que queimou minhas terras, agora mil vezes mais forte. Você arranjou uma água que só aumenta sua chama ( parece impossível mas tenho uma ótima história sobre o dia que tentei apagar uma vela e só aumentei o fogo ) e parece estar só ficando mais quente e mortal para toda vida em sua volta.
Ah, amor, se você soubesse tudo o que aconteceu desde que se foi, acho que até voltaria. Por mais que eu esteja bem, uma portinha do meu coração sempre está aberta com a nossa senha secreta. É uma linguagem corporal complicadíssima, composta de olhares profundos, beijos intensos e toques suaves. Sussurros abrem caminhos e músicas desvendam mistérios, como sempre nossa forma de comunicação. É um idioma completo pra mim, mas acho que é um mero código pra você, no meio de tantos. Um dia te dei a chance de voltar, mas você não veio. Um não, vários dias. Sempre fui tola, mas acho que só me toquei agora que você simplesmente não quer voltar.
Então te pergunto : algum dia, você me amou? Pois esse amor que eu conheço, não vai embora. Esse amor que eu conheço, que sinto por você, fica e gruda, agonia, cala mas grita, segura mas solta, dói mas é tão bom. É uma droga viciante que eu não consigo me livrar, que é impossível de largar. E quando eu te vejo sem o vício que tanto me prende, me pergunto se algum dia você já injetou esse sentimento nas suas veias, ou se eu gastei tanto te pagando uma droga pra ser jogada no vaso sanitário. Às vezes eu faço um teste simples : coloco a isca e vejo se você vem. Nunca acontece, apesar de chegar bem perto. Joguei a isca pra outros, experimentei me dar pra quem merece. Não quero me gabar, mas fizeram fila. Meu amor vale muito. E nossa, quanto amor eu tinha pra dar. Mas aí eu notei que tinha tanta gente querendo e você aí jogando fora o que eu te dei. Queria ter notado isso com antecedência, mas antes tarde do que nunca, certo?
É, amor. Eu aprendi a amar. E foi algo muito diferente e melhor do que você me mostrou que era. Não te esqueci, não deixei de te amar. Seu lugar está aqui, guardado, pra quando aprender a valorizar meu coração. Poderia me despedir com um último convite, mas não é o último e nunca será. É um espaço em branco, esse texto. Só pra poder dizer que não te deixei sem presente. Querido amor, aqui eu me dou para você, mas não por inteira, como costumava fazer. Apenas um terço de mim, ou melhor, um quinto. O resto eu dou pra quem merece.